Ao olhar esse tempo e o atual poder-se-á questionar se esse desígnio, do ponto de vista interno e externo à comunidade, se mantém e se ele se cumpre melhor na perspetiva multilateral adotada na criação do IILP.
Sendo inegáveis os avanços nos sistemas educativos em todos os países e nas suas taxas de escolarização (e no acesso à LP, por via delas), existe ainda uma margem significativa para o crescimento de falantes, sobretudo como língua não materna, no espaço da, agora, CPLP. Acentuam-na as projeções demográficas para o continente africano e aí, em particular, para os países de LP, com a deslocação para este contexto do maior número de falantes. O ensino da LP, nas diversas abordagens e para diferentes fins, apresenta-se, assim, no presente como no passado, como um desafio de grande dimensão e complexidade.
Nestes 35 anos, o mundo ficou mais perto e a forte globalização sentida em tantos domínios favoreceu tendências hegemónicas (também no campo das línguas), acentuando a exigência da defesa do multilinguismo como recurso e preservação da diversidade. Nessa defesa se inscreve a promoção de um estatuto para a LP em diversos contextos, mas também a relação da LP com as cerca de 300 línguas com que partilha o espaço linguístico na comunidade.
Sendo as línguas uma construção social com forte interligação a outras, nomeadamente, a(s) cultura(s) que estas traduzem e transformam, a hegemonia das línguas favorece também as hegemonias culturais. A perda de espaço de uma é a perda de espaço da outra, o que significa a subalternização ou o desaparecimento de conhecimentos, de formas de a ele chegar e de representações. A valorização do multiculturalismo crítico e a formação de falantes interculturais cresceu como área de atenção, de reflexão e de trabalho.
A evolução tecnológica que acompanhou essa globalização intensificou a prevalência de uma qualquer forma de mediação tecnológica na comunicação e a utilização de tecnologias da língua. Tal facto, impele as línguas a participarem nesse desenvolvimento tecnológico e digital, sob pena de perderem soberania e de gerarem a exclusão dos seus falantes ou de estes recorrerem a outra língua para o efeito. O desafio para a LP como língua de tecnologia, de inovação e de sistemas de processamento das línguas naturais e de inteligência artificial situam-se, agora, a um nível bem mais complexo.
Por outro lado, acentuou-se a importância da ciência e o peso que esta detém na organização da vida coletiva e individual, colocando quem mais a produz e divulga em posição de maior centralidade na tomada de decisão e na criação de valor associado ao conhecimento e ao desenvolvimento.
Os países presentes na fundação e os que um pouco mais à frente se juntaram reforçaram a sua coesão interna, a sua integração regional e a sua participação em fora internacionais. As fronteiras que detêm com 24 diferentes países e as relações que, por tal, estabelecem bem como a participação que consolidaram em perto de 20 organizações regionais e em outras tantas de alcance global impulsionaram a concertação político-diplomática e reforçaram a relevância da geopolítica da LP.
Outras reflexões poderiam ainda ser afloradas na confirmação da promoção da LP como um desígnio necessário e condição para a valorização dos seus falantes e de todas as dinâmicas que ela constrói, viabiliza ou impulsiona.
Terá, então, tal desígnio maior expressão preservando a perspetiva multilateral na abordagem às questões sinalizadas? Importará, desde logo, realçar a singularidade do IILP no contexto das línguas globais. A LP é a única a dispor de uma instituição que reúne os países que a têm como oficial para a reflexão e a sua gestão comum, sinal da sua opção por essa perspetiva.
A visão fundacional da LP como um recurso comum e um “oceano de culturas” evoluiu para a que a vê como um espaço simbólico comum, crescentemente multipolar. Os processos de assunção e de endogeneização da língua – onde se escora o conceito de pluricentrismo como reconhecimento da variação (codificada ou em codificação) e esta como expressão de uma voz – são também portadores de alteração das relações de poder dentro dela, pois que a multipolaridade tem em si a ideia de distribuição do poder.
Já a abordagem multilateral não se centra tanto na distribuição de fatores de poder, mas na criação de ordens partilhadas, assentes na cooperação e na defesa comum de princípios e objetivos, também eles, de interesse comum, funcionando, por isso, em necessária complementaridade à multipolaridade.
A dimensão dos desafios de qualquer dos cenários acima favorece e impulsiona a adoção de abordagens multilaterais, numa gestão comum da interdependência. A língua é de todos e de cada um, havendo toda a vantagem na criação de uma agenda comum que promova a cooperação, a coesão e a valorização dos falantes, bem como a internacionalização da língua, tendo presente o seu pluricentrismo.
35 anos depois, tem o IILP cabimento neste quadro? Mais do que nunca, sempre que reconhecida, valorizada e robustecida a sua singularidade institucional e a da sua ação. E estando em curso um esforço no reforço da sua intervenção, que se traduz, entre outras marcas, no aumento significativo no número, na qualidade e na abrangência dos programas e projetos que desenvolve, a escala está ainda aquém dos desafios. Na mesma perspetiva multilateral, elevá-la está ao alcance de todos – Estados, CPLP, academia, organizações da sociedade civil – puxando o IILP – e o que ele simboliza - para uma linha mais à frente entre as suas prioridades.
As línguas servem as pessoas e como refere o lema para esta comemoração do IILP, “Com a língua portuguesa, a aproximar pessoas”. Há 35 anos.
IILP/Direção Executiva