A partir de hoje o blog do IILP irá publicar entrevistas com alguns participantes do “Colóquio Internacional sobre a Língua Portuguesa nas Diásporas”, que acontece de 27 a 30 de novembro próximo, na Praia, Cabo Verde.
Confira a entrevista com a sra. Valeria Sasser, professora, jornalista, humanista e ativista comunitária nos Estados Unidos.
Por Márcia Cardoso
Fale um pouco de sua carreira.
Apesar de ter me formado como professora no Brasil há 28 anos atrás, há tempos eu trabalho como suporte administrativo em grandes empresas, não exercendo o magistério. Hoje, trabalho para o Estado da Califórnia, no Programa de Intérpretes das Cortes.
Nos Estados Unidos, concluí minha graduação em Jornalismo e também me graduei em Humanidades e Estudos Culturais na Universidade Dominicana da Califórnia. Trabalhei no consulado do Brasil em São Francisco por seis anos, saindo em 2007. Nessa época, eu já dirigia o Projeto Contadores de Estórias e meus laços com a comunidade foram se estreitando. Em 2010, realizei uma pesquisa na comunidade para conhecer a demanda por aulas de português, depois um painel de educação e cultura para apresentar/educar a comunidade em língua de herança e aspectos culturais em geral. E no fim do ano, realizei a primeira oficina de formação de professores da Costa Oeste americana. A partir de janeiro passado, começamos a nos reunir regularmente para criar classes formais de português. Criamos o IBEC, do qual sou diretora.
O projeto contadores de história iniciou um trabalho de aproximação da diáspora brasileira na Califórnia. Conte-nos um pouco sobre este trabalho.
O Projeto Contadores de Estórias foi criado pela então vice-cônsul Lígia Verdi lotada, à época, no consulado em São Francisco e com três filhos. É um projeto que tem por objetivo proporcionar às crianças contato com a língua portuguesa, a literatura brasileira, o folclore, a música, a tradição e os costumes brasileiros em eventos com duas horas de duração, repletos de atividades e diversão. Este projeto teve um começo difícil, sem recursos, mas com o empenho dos voluntários e a tenacidade de sua criadora em manter a língua portuguesa viva, o projeto foi em frente. A partir de 2004, já nas mãos de Suzanne Brito e Silva, o projeto começou a receber recursos do governo brasileiro e deslanchou, inclusive contando com um local fixo. Em julho de 2007 eu assumi o projeto. Quando saí do Consulado em dezembro de 2007, o projeto cresceu ainda mais, sendo reconhecido em outros estados e por vários profissionais da área. Ganhamos um prêmio nacional (nos Estados Unidos) e já sairam matérias sobre o mesmo em revistas de outras comunidades, até mesmo no Japão.
O projeto atende a diáspora brasileira e a outras de língua portuguesa?
Somente a brasileira. Não há muito intercâmbio das diversas comunidades de língua portuguesa. Me recordo somente de uma família de portugueses que compareceu aos eventos em todos esses anos, mas eles retornaram à Portugal. Há, na Califórnia, algumas grandes concentrações de Açorianos e Portugueses: no Central Valley (área rural) e em San Jose (grande centro urbano do Vale do Silício). Existem algumas escolas de português continental nestas duas regiões e alguns clubes de recreação. Há muito pouca notícia sobre eventos daquelas comunidades, que são bastante fechadas. Recentemente, uma escola portuguesa, contactada, não quis alugar seu espaço para o IBEC.
Como o projeto é visto pelos americanos? Eles já procuraram participar ou é exclusivo para crianças brasileiras?
De modo geral, os americanos acham o projeto muito bom e ficam admirados com nosso esforço de manter a língua viva mesmo estando aqui. E por ser trabalho 100% voluntário, eles ficam ainda mais admirados com o que fazemos.
Além da Califórnia, o projeto é aplicado em outro estado americano?
Sim, em Gainesville na Flórida (começaram neste mês de novembro). Há planos para “filiais” do Contadores em Connecticut e em outras cidades da própria Califórnia, como Los Angeles e San Diego.
Como é o ambiente da diáspora na Califórnia?
A comunidade brasileira na Califórnia apresenta algumas características bastante distintas de outras regiões. A estimativa do Itamaraty para a Costa Oeste é de 123.000 brasileiros, sendo portanto uma comunidade menor e é também um destino emigratório mais recente. Esses dois fatores, associados à geografia e ao clima da Califórnia, torna essa comunidade bastante específica. Primeiro que as distâncias são muito grandes entre uma cidade e outra. Não neva nas cidades de maior concentração de brasileiros (SF, LA e SD), portanto as condições climáticas são bem menos intensas que em outras regiões, fazendo com que precisem menos uns dos outros. A comunidade tem se organizado um pouco mais nos últimos anos, estimulada pelo movimento Brasileiros no Mundo do Itamaraty, mas ainda é bastante invisível, mesclando-se com outros latinos e com a própria comundade nativa. Por não ter características físicas marcantes, os brasileiros “desaparecem na multidão”. As concentrações de brasileiros estão nas regiões metropolitanas de São Francisco, Los Angeles e San Diego. As universidades atraem alguns brasileiros, assim como o Vale do Silício. Não existem ainda clubes brasileiros ou locais permanentes para encontro de brasileiros. Existem clubes brasileiros dentro de diversas universidades, mas esses congregam apenas os estudantes brasileiros dali. Os indocumentados são maioria absoluta e têm muito pouca consciência de cidadania.
De modo geral, a comunidade é considerada ordeira pelas autoridades locais. As igrejas são parte importante na vida desses brasileiros, sendo muitas vezes seu único local de vida social e encontro de outros brasileiros. Percebo, na comunidade brasileira na CA, um desejo maior por conhecimento/educação/instrução do que percebi nas comunidades em outros estados que estive. A resposta aos eventos educativos é sempre alta e sempre num crescente.
A senhora tem conhecimento de outros projetos que são trabalhados com as diásporas de língua portuguesa nos EUA?
Sim, mais sobre os programas brasileiros na Costa Leste. Existe a escola Ada-Meritt (escola pública) em Miami, que tem um programa de imersão em língua portuguesa, o único nesse momento em nossa língua. Tem a Abrace, na comunidade da área de Washignton, D.C. e Virgínia, que é uma escola de herança bastante recente, penso que a primeira nos EUA. Existem as aulas de português no Programa Mantena, em New Jersey e as atividades da Bbilioteca Brasileira em New York. Em Massachussets, tem a Fundação Educacionista, também recente, que tem várias classes de português para crianças em várias cidades de grande concentraçao de brasileiros naquela área. Vale mencionar que o número de brasilerios nas comunidades brasileiras na Flórida, em Nova York e em Massachussets, juntas, é estimado em 966.000. Existem alguns projetos similares ao Contadores, como por exemplo, o Mensageiros da Cultura, do Vale do Silício, em atuação desde 2008 ao qual o Contadores abriu suas portas, e outros menores em Houston, Austin, San Diego, Los Angeles, além do braço dos Contadores em Gainesville, Flórida. Existe uma iniciativa nova: o Vale-Tudo Literário (já na segunda edição), criado por mim, onde autores leem suas obras em uma “batalha” literária, onde ficam de pé somente os melhores. Desse evento, surgiu um grupo de autores que vai se reunir regularmente a partir de janeiro para tertúlias.
Sobre os programas portugueses, sei somente das escolas da diáspora açoriana na Califórnia e das bastante antigas comunidades portuguesas de New Jersey e Massachussetts.