As Diásporas no Mundo – entrevista

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Confira a entrevista com a sr Roberval Teixeira e Silva, professor e pesquisador, residente na Região Administrativa de  Macau. 1. O senhor é Professor Auxiliar e Pesquisador do Centro de Estudos Luso-Asiáticos do Departamento de Português da Universidade de Macau. Conte um pouco sobre seu trabalho.  No Departamento de Português da Universidade de Macau, há […]

Confira a entrevista com a sr Roberval Teixeira e Silva, professor e pesquisador, residente na Região Administrativa de  Macau.

1. O senhor é Professor Auxiliar e Pesquisador do Centro de Estudos Luso-Asiáticos do Departamento de Português da Universidade de Macau. Conte um pouco sobre seu trabalho.

 No Departamento de Português da Universidade de Macau, há uma série de diferentes atividades nas quais estou envolvido. Tenho as tarefas de ensino na Licenciatura que forma alunos asiáticos, majoritariamente chineses, em Língua Portuguesa e que lhes permite atuar como intérpretes, tradutores, professores, agentes consulares, por exemplo. Em geral, nesse curso trabalho com a língua e a cultura dos países de Língua Portuguesa, com linguística aplicada e com a orientação de projetos de pesquisa. Um fato interessante que vivi nesse colóquio foi que encontrei o poeta que escreveu o texto com que iniciei o curso de língua e cultura este ano, o Dr Crisódio. E o poema foi Reflexos de Timor. Foi um encontro feliz aqui em Cabo Verde.

Bem, mas há ainda a pós-graduação em linguística na qual trabalho com metodologia de pesquisa e com a minha área específica que é a sociolinguística interacional: um campo interdisciplinar que entende as linguagens como o lugar da interação e que tem uma proposta de análise do discurso constituída numa leitura plural que envolve a cultura, a sociedade e, claro, a língua. É nesta área que desenvolvo as minhas pesquisas e oriento as investigações dos alunos de Mestrado e Doutorado.

E são tantas outras funções… a coordenação de cursos, de convênios, de projetos de extensão, a organização de colóquios, congressos…

Agora assumimos a presidência da AILP (Associação Internacional de Linguística do Português) que está exigindo um grande trabalho de organização interna como a construção do seu site, a digitalização dos documentos que atestam a sua história, a busca de financiamento para as suas demandas. Vamos em 2012, após essas tarefas de fundação, lançar o nosso olhar para a Língua Portuguesa na Ásia e pretendemos fazer um mapeamento dos espaços de ensino, dos agentes envolvidos e, no final do ano, fazer um minicongresso sobre esse contexto.

Seja a atividade que for, todas têm um ponto comum: o de tentar estabelecer – com colegas, com alunos, com entidades e instituições – um espaço de reflexão que reconheça as nossas contradições, conflitos e guerras estabelecidos na língua, mas que também entenda  a diversidade humana como a nossa maior riqueza, que reconheça e valorize as nossas saudáveis diferenças, que plante uma ideia de tolerância entre os que existem e vivem em culturas e línguas diferentes. A língua Portuguesa é que cria o mundo no qual tentamos veicular e atingir esses objetivos.

2. Como está configurada a língua portuguesa  hoje em Macau?Quem são os falantes? Há uma estimativa numérica desses falantes?

 A língua portuguesa, sem dúvida, tem uma presença marcante em Macau. Está presente em uma série de espaços oficiais, institucionais, midiáticos, espontâneos. Uma descrição mais detalhada pode ser encontrada no endereço a seguir, que é uma publicação na Revista da SIPLE: https://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=107:o-ensino-de-portugues-como-lingua-nao-materna-plnm-&catid=16:portugues-no-mundo&Itemid=61

Há em Macau um conjunto de pessoas que leva a vida, mais e menos intensamente, em português. São os macaenses que, a grosso modo e numa definição bem simples, são sujeitos constituídos identitária e etnicamente na mestiçagem entre portugueses e asiáticos e que falam uma variedade local do português que pode ser bem próxima ou mais distante do português de Portugal. Contamos ainda com falantes de português como língua materna de todos os países e regiões de Língua Portuguesa. E, em número cada vez mais expressivo com a tendência a superar os dois grupos acima mencionados, os falantes de português como língua não-materna, majoritariamente chineses que trabalham na administração pública, no direito , no ensino, na tradução e interpretação, por exemplo. Teremos agora no final de 2011, inícios de 2012, os resultados do censo realizado este ano. Os censos são realizados de 10 em 10 anos. Eles poderão oferecer números mais precisos. Entretanto, sem compromisso, fala-se em torno de cinco mil falantes de português. Vamos ver o que o Censo vai indicar.

Mas o que queria destacar aqui é que há um contingente importante de crianças e adolescentes que ainda tem podido aprender a Língua Portuguesa, principalmente nas escolas luso-chinesas (escolas oficiais) e  em diversas escolas particulares também. Esse é um espaço que precisa ser preservado e tratado com carinho porque representa a possibilidade de a nossa língua se manter viva nas vozes desses jovens falantes. 

3.Como vive a diáspora em Macau em termos de emprego, estudos, moradia?

Os grupos diaspóricos de Língua Portuguesa ocupam espaços em uma série de diferentes áreas: da restauração à aviação, da media à sala de aula, dos tribunais às clínicas médicas, dos templos às atividades de entretenimento, dos campos de futebol à administração pública… Muitos imigrantes chegam à Região via universidade, o que lhes imprime um perfil particular. Eu diria que, em geral, é uma diáspora que está posições confortáveis na sociedade de Macau.

É importante resssaltar que a Língua Portuguesa tem papel central na conformação e na dinâmica dessas diásporas. Para muitos é a língua mesma  que abre espaços.  Entrentanto, como tive oportunidade de sublinhar na minha fala, na Língua Portuguesa criam-se aproximações, mas também são criados muitos conflitos, muitas lutas de poder e embates culturais entre diferentes variedades. Há alguns sujeitos que acreditam haver uma língua que é mais pura e mais certa e mais língua do que outras… é nessa seara que começam a intolerância, as oposições, os confrontos e as segregações contra as quais lutamos.  Embora em situação confortável, é ainda necessário que as comunidades diaspóricas compreendam que falar variedades diferentes é o que comprova que não somos robôs, mas seres criativos, interessantes, ricos e, portanto, fundamentais para manter o mundo sedutor.

 4. Existe algum programa de apoio à diáspora  pelo governo de Macau?

 O Governo de Macau tem dado um importante apoio às diásporas de tal forma que todas as regiões e países de Língua Portuguesa estão organizadas em associações. Estas entidades promovem um conjunto de atividades que envolvem não apenas as comunidades de língua portuguesa como também as outras comunidades que conformam o espaço plurilingue e pluricultural de Macau. Esse apoio, entretanto, não é fruto de uma política planejada de interação com as diásporas.

Temos, de qualquer forma, de chamar a atenção que as diásporas de Língua Portuguesa encontram um espaço positivo de acolhimento na RAEM. Isto se dá porque a Região herdou traços sociais, culturais, étnicos construídos em Língua Portuguesa e que por isso passou a ser vista pelo Governo Central chinês como um espaço privilegiado para as conexões entre a China e os países de Língua Portuguesa.

Assim, em termos de planos governamentais específicos, ainda é necessário avançar muitos passos.

 5.  Atualmente o senhor realiza um trabalho com um gênero da diáspora em Macau, qual seja, as mulheres africanas. Como é este trabalho e qual a finalidade.

Um dos aspectos que merece atenção é a questão da identidade. O dinamismo e a quantidade de mudanças que temos de viver/experimentar/enfrentar nos dias de hoje obriga-nos a mudar/repensar/reformular os nossos paradigmas constantemente.  A ideia de tempo e espaço hoje, por exemplo, é completamente diferente. O conceito de “estar com alguém” já não pode ser entendido como “interagir com o outro no mesmo tempo e espaço”, “olhar olho no olho” etc.  Dessa forma, as maneiras tradicionais que tínhamos de sinalizar quem somos e de entender quem é o outro não podem ser mais as mesmas. Temos de desenvolver muitas outras competências nos diferentes contextos espaço-culturais em que estamos.

Nesse perspectiva, estudar o processo de construção de identidades é uma maneira de buscar compreender como nós estamos lidando com um mundo que não pode ser visto como produto, mas como um contínuo processo. Assumir o mundo como processo causa muitas inseguranças em geral. Talvez seja mais fácil lidar com entidades estáticas e bem definidas, como “as mulheres são assim”, “os estudantes são assim”, “os pais são assim”, “as africanas são assim”… portanto vou agir de acordo. O problema é que, como temos visto, isso não existe. Dessa maneira, a mudança/ o processo precisam ser assumidos como o que sempre constituiu o mundo e a nós todos, mas que agora ficou muito mais evidente e inescapável. Estamos em processo, estamo-nos construindo  e reconstruindo. Temos de aprender a lidar com isso. Essa é a motivação desses estudos relativos a mulheres africanas de países de Língua Portuguesa: como é que elas se representam em um ambiente diaspórico, que imagem criam, que papéis performatizam, que relações estabelecem com os outros, que valores sinalizam…?

Durante o Colóquio surgiu uma pergunta que leva a uma importante discussão. Era relativa à manutenção ou não dos valores em mulheres africanas imigrantes em Macau. Antes de tudo, é preciso indicar que, embora falemos de “mulheres africanas”, não é possível criar denominações gerais e uma categoria fechada: as mulheres africanas dos PALOP (e qualquer outro grupo) não podem receber um rótulo.  Então, a pergunta,  na verdade, deve ser reformulada. Voltando aos pontos que levantei acima, os valores também estão em processo de construção/reconstrução a cada interação significativa que vivenciamos. Assim, não parece possível falar em manutenção daquilo que não “é”, mas “está”.  A pergunta pressupõe que há valores fechados que podem ser mantidos e levados para outros espaços. Entretanto, cada espaço nos obriga a reformular valores… é assim que vamos crescendo. Nesse  crescimento, temos referenciais como classe, etnia, gênero, faixa etária, escolaridade… A forma como esses referenciais aparecem e constroem os nossos discursos precisa também ser entendida. De que forma eles atuam (ou não) e em que contextos? E por fim, é fundamental deixar claro que o nosso trabalho não procura criar/buscar padrões, mas entender processos, entender momentos de construção de identidades… entender um pouco como os seres humanos se representam para interagir com outros seres humanos.

 

 

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Colóquio da Praia: IILP2011

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