Angola tem uma imensurável responsabilidade na preservação, divulgação e valorização da língua portuguesa no mundo, em geral, e, em particular, no continente africano.
Isso se deve ao facto, não só da sua influência político-económico- cultural na região, à sua posição geo-estratégica, mas também pela força e projecção de desenvolvimento que a tem tornado num país de destino de emigrantes de várias latitudes do planeta.
Tudo isso propicia um dinamismo invisível na necessidade de aprendizagem.
Não está em causa o poder de Moçambique nesse processo, porque também existe tal responsabilidade, embora em proporções desiguais; nem o do Brasil pelo mundo, pois actualmente é o maior «embaixador» dessa língua pelas organizações internacionais.
Portanto, vemos populações inteiras de expatriados cuja finalidade é a socialização com a língua portuguesa, que hoje é tão nossa quanto dos cidadãos portugueses. Aprender português torna-se um indicador de permanência e integração dos que se querem fixar no nosso país.
Se esses elementos representam, em si, uma verdadeira motivação para que possamos pôr a andar um melhorado processo de ensino na mesma carruagem do da aprendizagem por comunidades que a assumem como língua segunda, infelizmente um certo conservadorismo nosso tem vindo a funcionar como travão.
Por exemplo, não faz muito tempo, em conversa com um jovem cidadão português, além do imponente emprego que lhe ofereceram, estando pela primeira vez em Angola, mostrou-se maravilhado com a forma viva que acha estar a língua portuguesa a ser utilizada em Angola, com as palavras a ganharem novas nuances semânticas, a construção de cadeias frásicas inovadoras, o enriquecimento lexical, a mobilidade dos conectores nas frases, etc..
Segundo este cidadão português, essa vivacidade da língua portuguesa só a sentia no Brasil, pois, para ele, em Portugal, a língua andava mofa, sisuda e quase sem crescimento.
Fiel a esses capítulos a que até aqui referi, a língua portuguesa em Angola tem o futuro garantido. A coabitação com outras línguas num mesmo espaço territorial é uma valia que só o tempo permitirá avaliar. Nada indica que ela venha a perder terreno. Pelo contrário.
A criatividade dos falantes angolanos, associada às vivências e experiências das desafiantes décadas de instabilidade, coloca(ra)m na boca do angolano um produto linguístico bastante fértil; uma língua em potencial crescimento nos seus mais diversos aspectos.
Entretanto, e julgo que este é o cerne, essa inovação deve ser acompanhada para que se respeite um instrumento regulador de qualidade (não me refiro à fala, mas à língua), para se criar referências e referentes, com base nas normas que felizmente existem. E, nesse aspecto, a escola não tem ajudado muito.
Devemos ter a coragem de perguntar, com sinceridade: Por que o grosso dos nossos alunos não consegue ser proficiente na fala, produzir discursos e pensamentos lógicos, dominar a língua escrita e a leitura? Porquê, se até a língua veicular é a portuguesa?
Na minha experiência de docente, desde o ensino de base à universidade, e mesmo como utente da língua, defendo que se deve revigorar o modelo de ensino/ aprendizagem da língua portuguesa em Angola.
Como redefinição, julgo que o papel do ensino da língua portuguesa nas nossas escolas deve valorizar cada vez mais a leitura, interpretação e a produção de textos.
Contra o modelo de ensino centrado na estrutura linear da língua e numa gramática por vezes “desconectada”, defendo que o ensino da língua portuguesa deve permitir que o aluno aprenda, no mínimo, a ler e a escrever com proficiência e evitar-se os chamados analfabetos funcionais.
É um desafio que a todos deve envolver, em particular os docentes de língua portuguesa, como eu.
Jornalista, escritor e docente universitário. Texto originalmente publicado no jornal Semanário Angolense (Angola) a 5 de Julho de 2014
Fonte: Público pt