Muito se fala sobre a necessidade da mudança da escola de hoje e, consequentemente, sobre a mudança do papel do professor. Notícias e estudos relacionam competências educacionais ao uso das tecnologias de informação e comunicação, as chamadas “TICs” na educação. Porém, muitas vezes, as TICs são vistas apenas como um recurso, e não como cultura digital. Ou seja, essas tecnologias são vistas como algo que se pode ou não utilizar, ou ainda, que serve para fazer uma “aula diferente”, “uma aula com internet”. Na verdade, tratam-se de objetos socioculturais, que podem ser unificados a uma metodologia pedagógica significativa.
Esse equívoco tem levado professores a práticas pedagógicas superficiais e, por isso, faz com que o potencial de construções socioculturais críticas que as TICs podem ofertar se perca. Para exemplificar, vou contar uma história que aconteceu comigo e que me levou a essa reflexão.
Recebi uma missão de um garotinho fofo: escrever um texto para ajudá-lo em um trabalho de escola proposto pela professora de sua classe. Ele precisava escolher cinco pessoas para “falar de internet”, como ele mesmo explicou. Fiquei superfeliz por ser considerada uma das “especialistas”, segundo sua opinião. Então, perguntei qual era o tema e, para minha hesitação, ele respondeu: “Caiu na rede é peixe. Qual a sua tática na internet?”. Pedi mais detalhes, mas ele disse que essa foi a única instrução que a professora havia dado. Confesso que fiquei confusa, mas ok, topei o desafio.
A primeira “tática” que fiz foi justamente buscar no Google o significado de “caiu na rede é peixe”. Os resultados apontaram desde um dicionário informal de verbetes, livros e até marchinhas de carnaval, o que deixava tudo ainda mais abrangente. Resumindo, a expressão tem um significado um tanto quanto pejorativo e bastante negativo: “tudo serve, tudo vale”, seja bom ou ruim.
A segunda “tática” também foi o Google, afinal, ele já estava aberto. Encontrei várias ideias sobre “tática de internet”, mas em todas havia um direcionamento: tática em marketing na internet, tática em vendas na internet, tática para pequenos negócios na internet. E já que não houve delimitação prévia do tema proposto pela professora, resolvi então entender melhor a palavra tática para que eu (talvez!) conseguisse compreender a finalidade da redação.
Minha terceira “tática”, adivinhe: procurar “tática” no Google. É uma palavra que vem do grego e que pode ser usada em várias áreas (marketing, guerra, empreendimentos) e, então, compreendi que, sem uma finalidade específica ao que se pretende saber (o Google estava certo!), permaneceria na dúvida: será que a professora quer que os alunos entendam como fazer buscas na internet? Será que o objetivo é ensinar os alunos a navegar de maneira mais segura na internet? Será que ela quer alertá-los de que nem tudo o que está na internet é bom ou confiável? Ou será que ela só passou um trabalho “com internet”? Afinal, “caiu na rede é peixe”.
Acredito que esse exemplo ilustra a falta de preparo e de compreensão dos educadores para melhor utilizar as TICs disponíveis no século XXI. Perceba quantas oportunidades de aprendizado haveria no letramento informacional e digital dos alunos, caso a professora soubesse aproveitar a internet com um direcionamento sociocultural.
Precisamos preparar nossos alunos para um mundo que também ainda desconhecemos. Mas, para isso, é preciso entender que nossas competências como educadores passam da instrumentalização. Precisamos estar abertos a aprender e a ser mais curiosos, criativos e inovadores, pois são dessas competências que nossos alunos precisam para viver em sociedade. E quem não sabe como funciona também não saberá como ensiná-las.
*Leila Ribeiro, cofundadora do site www.sala.org.br, um espaço dedicado à linguística aplicada, à cultura digital e à educação.