
O primeiro-ministro timorense afirmou que são precisos mais meios, incluindo com o apoio de parceiros da CPLP, para colocar professores que ensinem português e em português em todas as escolas do país.
“Lanço este desafio. Vamos todos apoiar esta ideia: Vamos todos dotar o Ministério da Educação de meios para poder ter professores em todas as escolas de Timor-Leste para ensinar português e em português”, afirmou Rui Maria Araújo.
“Temos que ser realistas. Não temos professores suficientes para ensinar o português em todo o território de Timor-Leste. O aproveitamento escolar de muitos jovens, de muitas crianças timorenses, tem sido um desastre”, apontou.
Intervindo no colóquio “CPLP – Uma língua, várias identidades” – inserido nos eventos da Semana da Língua Portuguesa do Parlamento Nacional – o chefe de Governo disse que, depois de 12 anos “com o discurso de defesa do português” é necessário “fazer mais alguma coisa de concreto”.
“Aqui não é uma questão de opção da língua como parte da nossa identidade, é uma questão de ver a forma mais eficaz, eficiente para implementar este compromisso histórico, implementar um ponto importante da nossa identidade”, afirmou.
Pedindo realismo no debate, Rui Araújo disse que as dificuldades do sistema educativo e o mau aproveitamento dos alunos levaram alguns especialistas da didática e metodologia de ensino a avançarem com a ideia, “muito infeliz para alguns, defensável para outros”, de utilizar a língua materna para “intensificar o ensino e a aprendizagem”.
Mas insistiu que o maior problema continua a ser a falta de recursos humanos.
“A única forma é colocar todo o país com professores de língua portuguesa para ensinar em todas as escolas. É a única forma de o fazer”, disse.
“Temos que investir mais na formação de professores, trazendo professores de língua portuguesa dos nossos países irmãos da CPLP para nos ajudarem a fazer isso”, defendeu, afirmando que sem isso os debates tornam-se “fúteis e estéreis”.
Mais do que ensinar a língua portuguesa, disse, é vital que se aposte também no ensino em português, em áreas como as ciências, ajudando os jovens a “raciocinar em português”.
Paralelamente, considerou ser vital apostar no ensino do português na função pública onde há hoje mais documentos, mais despachos e todo um quadro legal e regulamentar em português mas onde a compreensão dos funcionários ainda é limitada.
“Assim como acontece na área da educação, na área da administração pública temos casos caricatos, despachos escritos em português que não são bem entendidos e acabam por ser implementados de outra forma”, observou. Apontou também para os órgãos de comunicação social, onde o uso do português é praticamente inexistente.
Já o ex-primeiro-ministro timorense Mari Alkatiri, em sua apresentação disse, “Para se compreender a importância da língua portuguesa, tem que se entender a mesma na sua interação com o tétum praça. E a interação entre as duas línguas e a fé dos timorenses e entre o monoteísmo católico e a prática animista” .
Trata-se, disse, de elementos que servem como “oxigénio” para a reafirmação da identidade timorense, “em todo o seu mosaico” socio cultural pelo que questionar qualquer desses elementos coloca em risco essa identidade.
Em resposta a perguntas da plateia, Mari Alkatiri criticou o que disse ser a má política adotada nos últimos anos no ensino da língua, com comunicações no setor público em inglês ou indonésio.
Como exemplo do que diz serem erros políticos sobre esta matéria, recorda que quando a troika chegou a Portugal foi convidado pelos então chefe de Estado, José Ramos-Horta e primeiro-ministro, Xanana Gusmão, para os acompanhar a Portugal “comprar dívida pública portuguesa”.
“Tínhamos 6 mil milhões de dólares no fundo petrolífero e queriam comprar dívida pública. Isso nem dá para fazer cantar um cego. Eu disse que preferia ir lá, mas era para contratar professores portugueses”, afirmou.
Alkaiti insistiu que esta política é essencial para defender a soberania timorense no contexto regional e sub-regional, e para defender o tétum que só se reforçará com o português e que, se se tentar desenvolver com o inglês ou indonésio “simplesmente desaparece”.
“A política nacional tem que ser muito clara. Se não o for seremos mais um país no lago australiano ou um meio Estado na extensão da Indonésia. Essa é a realidade”, afirmou.
“Fomos tão determinados a fazer a luta pela independência e estamos a perder a determinação de defender esta independência, os elementos que garantem a defesa desta independência”, disse, criticando os que defendem o uso das línguas maternas que contribuem para “balcanizar” o país.
Numa intervenção em que recordou o papel da língua portuguesa em Timor-Leste, “da colonização à libertação”, Alkatiri disse que o português começou como uma “língua política e sociocultural de dominação”, algo que se foi diluindo ao longo dos séculos.
Um processo que ocorreu sem que o português tenha, em qualquer momento, deixado de ter interação com a sociedade timorense que o procurava sempre como aliado”, especialmente nas duas ocupações, a japonesa e a indonésia.
“Os timorenses intuitivamente ou empiricamente sabiam que a melhor forma de afirmar a sua diferença era manter esse vínculo à identidade lusófona”, algo que os ajudava a defender-se das presenças invasoras “mais perigosas e dominadores”.