O período da tarde iniciou com o II Painel, “Português língua de herança: perspetivas e práticas (I)”, contou com a presença da Prof.ª Doutora Edleise Mendes e da Prof.ª Doutora Ana Raquel Matias, como oradoras. A moderação do Painel foi feita pela Prof.ª Doutora Margarita Correia.
A primeira apresentação, a da Prof.ª Doutora Edleise Mendes, que atualmente é professora associada da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde atua na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura, focou-se no conceito de língua de herança em contexto de pluricentrismo linguístico. Referindo-se ao facto de que a ideia de pluricentricidade é fundamental para a compreensão dos aspectos que condicionam o desenvolvimento das línguas de herança. Ainda afirmou que as relações entre língua e identidade e língua e cultura são centrais no contexto de língua de herança já que a definição do que é uma língua de herança estará diretamente relacionada aos contextos em que essa língua se desenvolve e às outras línguas com as quais a LH se relaciona.
Mendes considera que nos variados contextos de herança, sobretudo de uma língua pluricêntrica, devem ser tidas em conta as diferentes línguas-culturas de herança que se projetam socialmente (espaços onde convivem diferentes variedades do português). Entende-se como LH à situação de uma determinada língua adquirida, através do contato familiar e/ou cultural, nas diásporas (Carreira, 2009). O termo pode ser visto também como sinônimo de língua comunitária, língua nativa, língua materna usada pelos imigrantes, desde que não seja a língua majoritária do país em que se vive. (He, 2010).
O português como língua de herança (PLH), área emergente de produção académica nos últimos anos, carateriza-se pelos contextos em que o português e sua(s) cultura(s) são ensinados a filhos de lusofalantes imigrados, em diferentes partes do mundo, e representantes de diferentes línguas-culturas em português.
Na maior parte dos casos, à medida que as crianças crescem, a língua de herança, o português, desaparece ou perde a sua força identitária e cultural (Mendes, 2015).
De acordo com esse cenário, Mendes (2012) defendeu que uma língua-cultura de herança (LCH) seria um modo de ser e de viver em uma língua, em processo contínuo de desenvolvimento, a qual é em parte familiar ao sujeito que a aprende, e em parte estranha, e que constrói, com outras línguas de nascimento.
Passados mais de dez anos do desenvolvimento do campo de ação e de pesquisa em/sobre o português como língua de herança, Mendes exortou que devemos refletir sobre como as práticas e pesquisas produzidas podem agora dialogar com outras experiências em diferentes línguas-culturas em português.
Por fim, defendeu que devemos nos obrigar a pensar como o português e a sua herança, tão diversificada, pode contribuir para incluir as heranças de outras línguas que com ele hoje se confrontam, e produzir a partir disso soluções e perspectivas para criar ambientes de acesso, de inclusão e de acolhimento. Sensibilizar os governos para a emergência de investimentos nas políticas de difusão e de fortalecimento da língua e da(s) cultura(s) lusófonas e, consequentemente, nos projetos voltados para o PLH e participar de diversas instituições, públicas e privadas (associações, universidades, escolas etc.), nas ações voltadas para o desenvolvimento do PLH.
O segundo momento esteve sob responsabilidade da Prof.ª Doutora Ana Raquel Matias, professora auxiliar convidada no ISCTE-IUL e investigadora de pós-doutoramento no CIES-IUL e no CES-UC, que realçou que o estudo “Indicators of Immigrant Integration” (OCDE 2015, inquiridos entre 16 e 64 anos) mostra que entre as línguas aprendidas na infância por imigrantes de línguas estrangeiras destacam-se o espanhol castelhano (32,4%), mandarim (6,2%), árabe (6,1%), romeno (3,3%), polaco (3,1%) e português (2,8%), correspondendo a + de 1 milhão de falantes de português em países onde a língua de acolhimento é diferente. Apenas em 18 países da Europa (com dados disponibilizados), a língua portuguesa é a 3ª língua mais falada pelos imigrantes residentes: cerca de 900 mil pessoas (6,1%).
Os objetivos dos aprendentes de português como língua de herança, segundo Matias, podem ser variados, como: atingir requisitos linguísticos; fortalecer os laços com as suas raízes; comunicar com membros da família que são monolingues; fortalecer a sua participação na vida da comunidade; usar a língua em questões profissionais à escala local e usar a língua por razões profissionais à escala nacional e internacional.
Relativamente às questões centrais a um aprendente de língua de herança, estas incluem: procura de identidade pelas origens (familiares), autoavaliação e perceção identitária subjetiva e não objetiva, implicando a necessidade de conhecer o contexto externo à sala de aula, relativamente: às experiências de vida dos indivíduos; às oportunidades e constrangimentos que tiveram enquanto aprendentes/potenciais aprendentes de língua de herança; às condições que regulamentam o uso da língua e das suas variantes, em termos de comunidades locais, nacionais e internacionais.
Em suma, ela defende que é necessário construir pontes entre os processos de desenvolvimento das capacidades individuais e os fatores socioculturais do perfil sociolinguístico dos aprendentes, ou seja, adaptar o curso aos alunos, e não os alunos ao curso.