Instituição é uma das poucas que abordam, na licenciatura, o ensino do idioma a quem vem de fora.

Uma das dificuldades de quem se muda para um país diferente é dominar a língua estrangeira. Mas quem chega a Rio Preto sem saber o português tem a chance de aprender gratuitamente a se comunicar na língua falada na cidade. É que o campus da Unesp de Rio Preto possui um projeto para ensinar português a estrangeiros, integrando os conhecimentos à cultura local.
O curso é considerado pelo Ministério das Relações Exteriores uma referência de ensino de Português como Língua Estrangeira no Estado de São Paulo. Oferecido desde 2012, projeto nasceu como curso de extensão para atender necessidades do ambiente acadêmico, como relembra a professora Marta Kfouri Kaneoya, especializada em Linguística Aplicada e coordenadora do projeto.
“Começamos no segundo semestre de 2012, eu como coordenadora e a professora Marília Curado Valsechi como vice. O coordenador da Engenharia de Alimentos da época nos procurou para ajudar alunos da pós-graduação que eram estrangeiros e precisavam escrever a dissertação e a tese, além de acompanhar as disciplinas presenciais”, conta.
O curso nasceu com sete alunos, entre eles chineses, colombianos e cubanos. Em menos de um ano, já havia 25 alunos estrangeiros matriculados, mostrando que o contexto de ensino do projeto é multilíngue e multicultural, já que não há separação por nacionalidade.
Logo, a ideia se transformou em projeto e, além das aulas, surgiram atividades como ‘Puxa-Conversa’ (aulas de conversação), Cine Clube (exibição de filmes brasileiros para discussão e produção escrita), Coral dos Estrangeiros e o Certificado em Língua Portuguesa para Estrangeiros (CELPE-Bras), que, segundo a coordenadora, é o único exame de proficiência em Língua Portuguesa existente no País.
Desde o ano passado, o Departamento de Educação da universidade passou a contar com a disciplina “Português Língua Estrangeira: Ensino e Formação docente”, sendo obrigatória para a formação dos alunos de licenciatura.
Segundo a coordenadora do projeto, a inclusão da matéria pode ser considerada um avanço na formação do professor. “Somente outras duas universidades no País mantêm cursos para formação de Português Língua Estrangeira, mas com especificidades diferentes. A Universidade de Brasília, que foi quem criou o primeiro curso, e a Universidade Federal da Bahia, que oferece como segunda língua”, disse.
Até 2016, o projeto foi financiado pela Pró-Reitoria de Extensão Universitária da Unesp, que cortou as bolsas no ano seguinte. Desde então, o curso sobrevive sem nenhuma ajuda de custo, atuando os professores e a coordenação como trabalhadores voluntários.
Este ano, devido ao calendário alterado pela greve, a Unesp ainda não ofereceu o curso, que está previsto para iniciar em agosto. As inscrições serão divulgadas na página da instituição (www.ibilce.unesp.br).

Aos 40 anos, o cubano Yoanky Cordero Gómez é estudante de pós-doutorado em História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis. Hoje, ele domina a língua portuguesa como um nativo, feito que ele atribui ao curso oferecido pela Unesp, onde ele fez doutorado em Letras, morando por cinco anos em Rio Preto.
“Cheguei a Rio Preto em 2012 para fazer o doutorado e eu não falava uma palavra em português, ou seja, foi uma situação muito complicada, porque eu ia fazer um doutorado que eu gostava em uma língua que não sabia nada e me sentia acanhado”, disse.
Ao descobrir o curso, ele se interessou pela proposta como forma de socialização e acabou se envolvendo com a língua portuguesa. “Minha experiência foi a melhor do mundo, porque tive professores muito próximos e um curso concebido de maneira abrangente. Não eram só aulas dentro da sala, mas também visitas como ao Museu da Língua Portuguesa e à Pinacoteca em São Paulo”, explicou.
Hoje, quando Yoanky publica um artigo ou faz um exame em português, se lembra de Rio Preto e do curso, que também o aproximou de questões internas à cultura. “A gente não só aprendeu a falar português, mas também como devemos construir um texto de maneira adequada e questões culturais do Brasil e da cidade, como gírias próprias de Rio Preto e comportamentos do rio-pretense”, afirmou o cubano, que disse ter se encaixado na cidade graças ao curso. “De onde venho, a cultura de relacionamento entre as pessoas é bem diferente”, conta.

Uma das exigências dos formatos de curso de extensão da Unesp é atender à comunidade externa, ou sejam, à população que não tem, necessariamente, algum vínculo com a instituição. Por isso, há cinco anos, o projeto passou a ensinar também estrangeiros de fora do campus universitário, como uma comunidade de sírios refugiados que chegou a Rio Preto em 2015.
“Vieram 27 sírios e a igreja da Santa Cruz nos procurou pedindo ajuda por intermédio de uma aluna. Solicitamos professores voluntários e apareceram 50 interessados”, disse Marta. O curso foi formatado com 12 professores e teve 120 horas de carga horária. “Nossa sorte foi ter dentre esses estrangeiros um médico árabe que falava um pouco de português e inglês. Então ele ouvia os sírios, falava com a gente e aí os professores ensinavam. No começo foi dessa forma”, explicou a coordenadora, que afirmou que a Unesp foi a primeira instituição a atender sírios refugiados.
Maria Habeeb Rammah foi uma das refugiadas sírias que aprendeu a falar português neste projeto de extensão. Ela, que chegou ao Brasil com o marido Najib Obaid e os filhos, Jacoub e Anjela, descobriu o curso por intermédio de uma amiga. Durante o curso, onde permaneceu por cinco meses, deu à luz Elias, que chegou a participar das aulas em seu colo.
De acordo com Maria, o curso foi seu primeiro contato com a língua portuguesa. “Eu não falava nada. Agora eu falo graças às aulas. Aprendi muito e também aprendi a cultura brasileira, o que foi importante para meus contatos e para conseguir trabalho neste país abençoado”, disse a comerciante, que desde então mora em Rio Preto com a família, estando à frente de uma fábrica que produz comida árabe, no Jardim Soraia, e de uma barraca na feira da Boa Vista.
A professora Isabela Abê de Jesus foi a primeira docente do curso, além de ter feito a primeira dissertação de mestrado dentro do projeto. Sua experiência como professora voluntária durou três anos e pôde ser classificada como um aprendizado. “Já tinha trabalhado com Português Língua Estrangeira em ambientes virtuais, mas ensinar na sala de aula foi totalmente diferente, porque o contexto presencial tem suas especificidades”, explicou a jovem, que chegou a trabalhar com 15 nacionalidades diferentes na mesma sala.
Hoje, Isabela trabalha como professora particular de estrangeiros que chegam à cidade e utiliza as ferramentas que desenvolveu à frente do projeto. “Conhecer pessoas de países diferentes e aprender sobre cultura foi importante para minha formação enquanto professora, pois aprendi a olhar para minha própria língua de forma diferente”, disse.
Quem atualmente atua como professora voluntária e desenvolve projetos junto à coordenação da extensão é a professora Gabriela Lombardi, que estuda a área de Português Língua Estrangeira no Ibilce.
Para ela, não basta apenas para o estrangeiro ter conhecimentos técnicos do português, mas é necessário ter um conhecimento da circunstância em que chegaram ao País e ser emocionalmente competente para conseguir interagir cultural, social e intelectualmente. “A diversidade cultural em aula é muito abrangente. É uma área de muitas descobertas para mim e para os alunos”, ressaltou a profissional.