CELEBRANDO CAMÕES, VIEIRA E A BRAVURA DE ARIANO SUASSUNA

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Semana passada (10 de junho), celebrou-se em Portugal o Dia da Língua Portuguesa que, no Brasil,  é lembrado em 05 de Maio. A comemoração portuguesa tem ver com a data em que morreu Luís Vaz de Camões (10 de Junho de 1580), o mais significativo representante da língua, autor de Os Lusíadas. Essa celebração da […]

Semana passada (10 de junho), celebrou-se em Portugal o Dia da Língua Portuguesa que, no Brasil,  é lembrado em 05 de Maio. A comemoração portuguesa tem ver com a data em que morreu Luís Vaz de Camões (10 de Junho de 1580), o mais significativo representante da língua, autor de Os Lusíadas.

Essa celebração da língua em 5 de maio, foi criada em Cabo Verde, no ano 2009, data finalmente adotada no Brasil. Mas bem que poderia ter sido mesmo em 17 de Junho, pois foi nesta data (17 de Junho de 1697), que morreu, em Salvador, Bahia, o português imensamente brasileiro Padre Antonio Vieira, sempre lembrado como a principal expressão da língua, no. Brasil, em todos os tempos, eternizado por seus magníficos sermões.

Quando, em 1995, o escritor Ariano Suassuna, o mais intransigente defensor da Língua Portuguesa contra as invasões dos estrangeirismos, criou um espetáculo teatral, um sarau, como ele mesmo gostava de chamar, com o qual apresentava aos jovens a cultura popular do Nordeste, configurado na interpretação de um sermão de Padre Antônio Vieira, mal podia imaginar que a reação desse público adolescente fosse de manifesta aprovação e entusiasmo.

Vendo, assim,  seu entusiasmo açoitado pela aprovação que os jovens do Nordeste deram a sua inusitada ideia, Ariano levou os sermões de Padre Vieira para teatros de São Paulo, fazendo reviver e comover, nos públicos extasiados, a mais original e autêntica arte poética já escrita, culminando com a apresentação do “Sermão da Quarta-Feira de Cinza”, com interpretação de Pedro Paulo Rangel.

Esse missionário Suassuna, imortal da cadeira 32 da Academia Brasileira de Letras; autor de “O Auto da Compadecida”, e de mais de uma dezena de livros e peças teatrais; criador do Movimento Armorial, tornou-se uma figura seguida e adorada nas suas “aulas espetáculo”, sempre atraindo um público arrebatado por sua sabedoria e por seu fino e escancarado humor. Tudo em defesa da cultura popular e da língua portuguesa.

Ariano faria, ontem, 93 anos, nascido em João Pessoa, Paraíba, em 16 de Junho de 1927. Há seis anos ele nos deixou (23 de julho de 2014), mas sua presença intelectual e as firmes posições de brasilidade que abraçou em vida jamais serão apagadas.

Num artigo publicado na “Folha”, em 31 de julho de 2000, com o título “Uso de Palavras Estrangeiras”, Ariano Suassuna expõe de modo aberto sua ironia, para reafirmar a inabalável luta em defesa da língua, posicionando-se contra a invasão e incorporação de palavras estrangeiras, especialmente vindas do inglês. 

Vejamos aqui o recado que lhe manda o leitor ( “Yves M. Albuquerque”) e a resposta, sempre espirituosa, de Suassuna:

“Meu caro Ariano: Lendo seus artigos, ouvindo suas palavras na TV, encontro vários tópicos em que discordo de sua opinião. Um deles, em particular, me desperta mais atenção: é o caso da “invasão” da língua inglesa que, segundo entendi, está ameaçando de morte a nossa flor do lácio. Acho sua posição aí inteiramente exagerada e sem fundamento. Sua oposição ao uso de palavras em inglês é flagrante, é aberta. E é aí que discordo do ilustre escritor. Ao contrario do grande mestre, não vejo nisso ameaça à nossa língua vernácula, mesmo porque fato semelhante, e em muito maior amplitude, ocorreu e ocorre com a língua francesa, sem que uma voz sequer se levante em defesa da nossa língua”.

Yves Albuquerque alinha várias palavras francesas usadas em nosso dia-a-dia, entre as quais “restaurant”, “filet”, “manchette”, “garçon”, “vernissage”, “écharpe”, “tricot” etc. Diz que, em minhas “andanças pelos nossos centros de cultura popular”, eu devo, já, ter notado “a presença e o perigo que representa a “invasão” francesa nas quadrilhas de São João tão típicas da nossa tradição popular e cujos dançarinos executam passos de dança sob o comando de alguém cujas palavras não entendem porque são pronunciadas em francês”. Ajunta, em tom afetuosamente irônico: “Desconheço quem tenha protestado patrioticamente contra tal intromissão”. E conclui: “O que nós precisamos, meu caro Ariano, não é ficar preocupados com a invasão de outras línguas, mas ajudar a buscar solução para os nossos graves problemas, como a fome, a miséria, o analfabetismo e outras mazelas que nos afligem. Se o Brasil sobreviveu a 500 anos de desgoverno e bandalheira, não será meia dúzia de vocábulos estrangeiros que vão acabar com ele”.

Uma vez que Yves Albuquerque discorda de mim, não levará a mal que eu, de minha parte, passe a alinhar os motivos pelos quais não concordo com sua carta, tão simpática mas tão “equivocada”.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, talvez por ser escritor, não considero a defesa e a preservação do nosso idioma um problema sem importância. Foi levando tal fato em conta que aqui publiquei, em 25 de abril deste ano, um artigo no qual dizia: “Sei perfeitamente que um idioma é uma coisa viva e pulsante. Não queremos isolar o português, que, como acontece com qualquer outra língua, se enriquece com as palavras e expressões das outras. Mas elas devem ser adaptadas à forma e ao espírito do idioma que as acolhe. Somente assim é que deixam de ser mostrengos que nos desfiguram e se transformam em incorporações que nos enriquecem”.

Depois, lembraria que, sendo uma língua românica, o Francês é muito mais próximo do Português, de modo que suas palavras e expressões são facilmente adaptadas à forma e ao espírito da nossa língua. Por isso, nunca estranhei o uso de palavras como as citadas por Yves Albuquerque e que sempre vi como restaurante, filé, manchete, garçom, vernissagem, echarpe, tricô etc. Quanto às quadrilhas, não são manifestações da nossa cultura popular. A quadrilha é uma dança europeia que, no século 19, passou para os salões da aristocracia e da classe média do Brasil. Não pode, portanto, ser colocada ao lado de espetáculos como o Cavalo-Marinho ou o Auto de Guerreiros, estes, sim, populares, e que, portanto, não adotam nenhuma palavra estrangeira. Finalmente, pedindo desculpas pela brincadeira de ter incluído Yves Albuquerque no grupo dos “equivocados”, gostaria de dizer-lhe que minha luta em defesa do Português é entendida por mim como parte indispensável da outra, maior: a luta contra a entrega do nosso território, da nossa economia, da nossa identidade cultural. Porque para mim, como escritor, é por aí que a luta maior começa.” 



Fonte: Meio Norte

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